
Texto: Nicholas Petrus
Durante anos enviei propostas
para diversos salões de arte no Brasil. Os editais que caçava por sitios
dispersos no começo do ano 2000 pareciam um caminho real para me inserir mais e
mais no âmbito artístico, afinal muitos currículos de artistas que olhava, continham
passagens por salões. Eu vinha das Ciências Humanas e o mundo da Arte
Contemporânea ainda me era estranho, não conhecia os personagens (artistas,
críticos/as, curadores/as, galeristas, produtores/as e etc.) nem as regras de
etiqueta. Imprimi, preenchi, reorganizei, escrevi, comprei envelopes e
dispersei meu trabalho por vários estados do Brasil.
Nada aconteceu. Uma mistura de
decepção e brutalidade invadia minha cabeça. A decepção por mais uma prova em
que não atingi a nota de corte, a brutalidade pela incompreensão do erro e pelo
soco na mesa: isso é o que eu faço, vou continuar fazendo.
Um pensamento: nunca mais envio
nada pra salão! Dias depois: esse parece interessante, tem um prêmio bacana...
No decorrer dos anos esses sentimentos se alternaram, mas a nota de corte não
foi atingida.
Enquanto isso entrava mais e mais
em contato com os profissionais de arte, começava a entender alguns processos e
a me situar em relação ao que o próprio circuito artístico me impunha, a
compreender que toda a estrutura social era a mesma também no setor
artístico... Existem os donos, os empregados, a competição, as promoções, as
demissões, as metas, a produtividade... Mas também há uma falsa nobreza, uma
intelectualidade necessária, um buquê elegante e um champanhe francês. Falsa,
porém (ou seja, real) sedutora nobreza... Real, pois uma vida sem as mais
variadas formas da poesia não presta, e na arte é possível incorporar cada vez
mais e mais destas “poesias” ao longo da jornada de trabalho.
Como não era nunca aprovado,
decidi que eu mesmo devia conseguir expor, onde quer que fosse: passei uma
tarde de sábado como camelô ilegal na Benedito Calixto. Lembrei-me de quando
fui de carona de Trindade ao Guarujá, um dia na beira da estrada e eu estava
mais que imundo. Trabalhar na rua um dia todo não é tão simples. Outra opção
foi começar a observar o que eu estava produzindo, extrair desse caldo um sabor
específico e propor assim um tema, ao mesmo tempo, mais analítico ou elaborado,
e mais sintético e preciso. Essa opção rendeu mais que as ruas.
Essa self-curadoria avançou,
exposições aconteceram, e eu feliz por estar conseguindo apresentar a obra e ao
mesmo tempo colocar os temas que eu acredito importantes, em evidência e
debate. Os anos seguiram avançando e essa self-curadoria se transformou em
curadoria. Os planos, agora projetos, cruzaram fronteiras. As minhas obras,
mais maduras, integrando planos de outros. Tudo com altos e baixos, mas com a
confiança e compreensão de estar traçando um caminho, ainda sem o champanhe,
mas com muita honestidade.
Mas e os salões? Eles foram
ficando para trás, não que eu tenha desistido de uma vez por todas, mas a
verdade é que nunca me selecionaram, nunca passei pelo crivo dos jurados. Não
no Brasil, porque por aí até que passei em algumas seleções: um festival de
vídeo na Argentina, uma convocatória de projetos para a Bienal de La
Paz... Entretanto a imagem da
importância de alguns salões de arte não havia desaparecido, e assim, continuei
postulando.
Melhorei a qualidade do material
enviado, refleti melhor sobre o que enviar, com os anos se revelou também minha
autocrítica como artista (eu não selecionaria as minhas obras dos idos de 2000
e pouco), e neste ano de 2014 fui selecionado para o meu primeiro salão no
Brasil. Feliz da vida! E ainda estava automaticamente concorrendo a um... Prêmio!
Quanta ansiedade. O prêmio não veio, mas a oportunidade de apresentar um vídeo
que já tinha sido visto na Argentina, Chile, Alemanha e Equador, mas nunca no
Brasil, era o suficiente.
Não sei se foram os anos que passaram, as experiências em exposições diversas, o conhecimento acumulado das
mais distintas etapas de uma exposição: desde a pintura do espaço, o rigor com
os textos, o refino da montagem e etc., pois toda a ansiedade – e felicidade –
de participar, se transformaram apenas em decepção. Uma decepção estrutural,
não pela presença ou não de estruturas físicas ou materiais, mas pela falta de
estrutura conceitual que envolve os Salões de Arte (pelo menos desse que participei).
Compareci na inauguração.
Senti-me mal, fisicamente. Zonzo, entorpecido, incapaz de assimilar qualquer
obra exposta e foi caindo a ficha de que um salão de arte é apenas isso: cada
artista em seu micro mundo, com seus metros quadrados de parede ou piso, com
toda sua potência colocada ali em uma, duas ou três obras, num espaçamento
uniforme, numa ordem invisível, ou ainda, inexistente. Ou seja, toda essa
potência explode sobre a obra mesma, e como não há uma congruência no
entre-obras, ficamos apenas cegos de tanta luz, ou zonzos. O que quero dizer é
que quantitativamente nunca se atingirá qualquer relação entre
obra-espaço-publico e o salão, portanto, não cumpre qualquer função social (nem
artística) que vá alem de acirrar a competitividade apenas e somente entre os
artistas, de enquadrar o artista nesse mundo das metas, dos chefes, dos donos.
Espero estar errado...
Eu fiquei mais constrangido de
ver a impossibilidade do público de poder apreciar o meu trabalho e a mostra
como um todo, do que feliz de haver sido finalmente selecionado. Não quero
propor saídas, salões temáticos, boicotes, nada disso. Apenas comparto uma
experiência pessoal, idéias que passam na minha cabeça.
A conclusão? Subitamente todos os
meus projetos e exposições, mesmo os mais simples como na La Pulga em Lima, ou
num estúdio de tatuagem do Rio de Janeiro, ou uma projeção e debate de última
hora numa praia perdida no norte do Chile, uma colagem na rua, se tornaram mais
relevantes para mim, para a evolução dos debates sobre Arte, e para o público. Subitamente
os currículos que via anos atrás me dizem agora muito pouco sobre a arte.
Subitamente creio menos ainda nas formas institucionais. O artista deve falar
mais, se auto-impor nestes tempos contemporâneos, e utilizar menos (ou mais,
vai saber...) as regras e limites das estruturas já existentes.
A conclusão dois: solicitei a
retirada da obra. Se conceitualmente percebi a inutilidade de apresentar minha
obra neste contexto, tecnicamente ainda falta muito para os salões de arte se
adaptarem a trabalhar com arte contemporânea, e a obra que era uma projeção com
som (projeto aprovado pelos jurados), terminou surpreendentemente (pois nunca
fui consultado sobre variações na forma de apresentação) em uma tela plana de
22”, sem repeat e com problemas de leitura no disco.
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